A Embrapa apresenta ao setor produtivo a cultivar BRS Guatã, uma variedade de feijão guandu que pode contribuir para recuperar pastagens degradadas, auxiliar na alimentação de bovinos durante a época seca e ser capaz de combater os nematoides no solo. Esses parasitas são capazes de causar prejuízos anuais à agricultura nacional de R$ 35 bilhões, segundo a Sociedade Brasileira de Nematologia (SBN), uma vez que atacam culturas de grande relevância econômica, como soja, cana-de-açúcar e feijão.
As pesquisas realizadas pela Embrapa Pecuária Sudeste (SP) revelaram que a BRS Guatã tem potencial para controlar quatro nematoides de grande ocorrência, principalmente, na soja e na cana-de-açúcar, que são: Pratylenchus brachyurus; P. zeae, Meloidogyne javanica e M. incógnita. Esses pequenos vermes afetam significativamente a produção porque parasitam as plantas retirando substâncias nutritivas e injetando elementos tóxicos no interior da célula vegetal. As larvas penetram nos tecidos da raiz e formam pequenos tumores, podendo chegar até as folhas, flores e frutos.
“Foram anos de trabalho até chegar a essa cultivar. O potencial para controlar nematoides é a sua principal característica, pelos danos que causam à agropecuária nacional. Além da soja e da cana-de açúcar, parasitam também lavouras de feijão”, explica o pesquisador aposentado da Embrapa Rodolfo Godoy, responsável pelo desenvolvimento desse material. Segundo ele, as crotalárias também são eficientes no combate aos nematoides, mas a BRS Guatã agrega outros benefícios, como a descompactação do solo, a alimentação animal e a cobertura do solo.
O guandu BRS Guatã é uma opção eficaz para os produtores rurais no controle desses parasitas, uma vez que eles não se multiplicam nessa variedade. Além disso, a leguminosa apresenta grande potencial para contribuir com a sustentabilidade da pecuária, promovendo a saúde do solo, a redução de custos com agrotóxicos e fertilizantes e o aumento da produtividade animal.
A utilização dessa cultivar mostra-se bastante promissora em algumas regiões do Brasil, como Sudeste e Centro-Oeste para a intensificação equilibrada e inteligente da pecuária, conciliando produtividade e preservação ambiental.
Segundo o presidente da Associação para o Fomento à Pesquisa de Melhoramento de Forrageiras (Unipasto), Ademilson Facholli, que também é proprietário das Sementes Facholli, a primeira empresa a multiplicar as sementes da BRS Guatã, essa leguminosa deve ter boa aceitação na cultura da cana-de-açúcar, na hora da reforma do canavial. Facholli considera o material muito promissor. A empresa, que fica em Santo Anastácio, região de Presidente Prudente (SP), conta com 50 toneladas em estoque para comercialização.
Nova cultivar é rica em proteína e tolerante ao déficit hídrico
Para a alimentação animal, o guandu é uma leguminosa rica em proteína, apresentando valores em torno de 15%, e com alta capacidade de se associar às bactérias que realizam fixação de nitrogênio no solo. A BRS Guatã é apresentada como uma alternativa de baixo custo para a suplementação volumosa de bovinos durante a seca. O uso para essa finalidade permite aumentar a taxa de lotação por hectare e reduzir a escassez de forragens, comum no período seco, resultando em maior ganho de peso dos animais.
Além disso, segundo a pesquisadora Patrícia Anchão Oliveira, a nova cultivar demonstrou ser uma alternativa viável para a produção de cobertura morta e adubação verde em rotação com outras culturas. Em testes, ela produziu três toneladas de massa seca por hectare na condição de sequeiro e 3,3 toneladas por hectare com irrigação. Essa pequena diferença evidencia a alta tolerância dessa leguminosa ao déficit hídrico.
Vantagens competitivas
A BRS Guatã apresenta ciclo vegetativo mais curto em comparação a outras cultivares de guandu, como a BRS Mandarim. O pesquisador da Embrapa Frederico de Pina Matta observa que essa característica antecipa a disponibilidade de forragem para os animais, já que seu consumo aumenta durante o florescimento. Ela floresce cerca de 30 dias antes do que a BRS Mandarim e tem boa velocidade de estabelecimento no campo.
Outra característica interessante do Guatã, segundo Matta, é o porte e a estrutura da planta. A cultivar tem altura intermediária com caules mais finos e flexíveis facilitando os tratos culturais quando comparado ao guandu BRS Mandarim.
Quando integrada à cultura da soja, a variedade não é hospedeira para a Phakopsora pachyrhizi Syd. & P. Syd, agente da ferrugem da soja. Também possui resistência moderada à Macrophomina phaseolina, fungo causador da podridão do caule.
Algumas outras características podem ser associadas à BRS Guatã e impactam na produtividade das pastagens ou culturas anuais, como a alta quantidade de matéria seca. A partir da adubação verde, a BRS Guatã possibilita o fornecimento em torno de 80 a 120 kg de nitrogênio por hectare, realizando a ciclagem de nutrientes importantes para o solo. A decomposição da biomassa libera nutrientes importantes para o solo, como nitrogênio, fósforo, potássio e micronutrientes, beneficiando o cultivo subsequente. Além disso, pode servir de alternativa como planta de proteção e sombreamento para implantação de outras culturas (café e frutíferas, por exemplo).
Com todos esses benefícios, a BRS Guatã representa um avanço significativo para a agricultura brasileira, oferecendo uma solução integrada para o manejo de pragas, à produção de alimentos e à sustentabilidade dos sistemas produtivos.
Recomendações de Cultivo
Com plantio recomendado de setembro a março, o produtor deve deixar um espaçamento de 0,5 a 0,8 metros entre linhas, dependendo da semeadura e da estratégia de uso.
É importante realizar a análise de solo para determinar as necessidades de correção e adubação. O molibdênio é um micronutriente essencial para a fixação de nitrogênio e sua deficiência pode ocorrer em solos com pH elevado.
Os pesquisadores orientam a realização de análise foliar no início do florescimento para detectar deficiências nutricionais e ajustar o manejo da cultura.
Mudanças climáticas
Algumas características agronômicas da cultivar BRS Guatã podem ser bastante importantes em condições desafiadoras, como as mudanças climáticas. A variedade demonstrou alta tolerância ao déficit hídrico, produzindo três toneladas de massa seca por hectare em condições de sequeiro, valor estatisticamente igual à produção em condições irrigadas. Essa resiliência é vantajosa em um cenário adverso, no qual eventos extremos, como secas, tendem a ser mais frequentes e intensos. A capacidade de produção em condições de baixa disponibilidade de água torna o Guatã uma cultura estratégica para a adaptação da agricultura e da pecuária às mudanças climáticas.
Como qualquer leguminosa, o Guatã possui a capacidade de se associar às bactérias que realizam a fixação de nitrogênio atmosférico no solo. Essa característica contribui para a redução da necessidade de fertilizantes nitrogenados, cuja produção é altamente dependente de combustíveis fósseis e emissora de gases de efeito estufa.
Assim, a nova cultivar se destaca como uma cultura com alto potencial para a sustentabilidade da pecuária.
Essas aptidões estão alinhadas à Agenda da Embrapa no que diz respeito aos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), principalmente às metas de combate às mudanças climáticas e segurança alimentar.
Aquisição de sementes
O Guatã está sendo vendido por empresas e produtores de sementes parceiros da Unipasto. Para o gerente executivo da Associação, Marcos Roveri José, a leguminosa conseguirá obter um apelo forte no mercado porque reduz os inputs no sistema, principalmente de adubos nitrogenados.
“A BRS Guatã está com dois polos de produção de sementes. Mas a expectativa é expandir essa quantidade. O produtor tem uma afetividade significativa com a leguminosa, no geral. Além disso, o material traz outros benefícios incorporados, como o controle de nematóides, por exemplo,” acredita Roveri.