Em conversa de fim de ano com jornalistas nesta segunda-feira (9), o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, afirmou que o debate sobre o aborto ainda não está "maduro" para que a Corte tome uma decisão definitiva.
"Não adianta o STF querer decidir a questão se 80% da população não entende", declarou. Segundo Barroso, a criminalização do aborto afeta desproporcionalmente as mulheres pobres e é uma política "inútil e perversa".
O STF começou a julgar no ano passado uma ação sobre descriminalizar o aborto no Brasil. A então presidente da Corte, agora aposentada, ministra Rosa Weber votou a favor da descriminalização. Barroso pediu mais tempo para analisar.
O aborto é crime no Brasil, mas existem três situações em que ele é permitido. São os casos de aborto legal:
anencefalia fetal, ou seja, má formação do cérebro do feto;
gravidez que coloca em risco a vida da gestante;
gravidez que resulta de estupro.
O ministro destacou que respeita as convicções contrárias ao aborto, mas reforçou que o papel do Estado é permitir que cada pessoa viva de acordo com suas crenças. "O Estado não tem direito de mandar uma mulher manter a gravidez", disse. Barroso tem defendido que o tema seja amplamente debatido na sociedade antes de uma eventual decisão da Suprema Corte.
Embates entre os poderes e o papel do STF
Barroso também abordou as tensões entre Executivo, Legislativo e Judiciário, que frequentemente levam questões ao STF. Ele explicou que isso se deve ao formato da Constituição brasileira, que delega ao Judiciário temas que, em outros países, são resolvidos na política.
Sobre as emendas parlamentares, Barroso defendeu a atuação do ministro da Justiça, Flávio Dino, que, segundo ele, cumpre o acordo feito em seu gabinete.
Dino estipulou regras para conferir mais transparência ao pagamento das endas, mas parlamentares viram nisso uma "interferência" do Judiciário.
"Estou convencido de que a decisão do ministro Flávio Dino é de cumprimento do acordo feito no meu gabinete", afirmou Barroso.
No entanto, ele ressaltou que questões como a quantidade de recursos discricionários com o Congresso são de natureza política e não competem ao STF.
O presidente do STF criticou a qualidade do gasto público no Brasil, apontando que o problema é mais grave do que a quantidade de recursos administrados por cada Poder.
Supersalários no Judiciário
Questionado sobre os supersalários no Judiciário, Barroso afirmou que "nada que seja errado, abusivo ou ilegal" tem o apoio dele.
Supersalário é o termo que designa quando um servidor público ganha acima do teto permitido pela constituição, que é justamente o salário de um ministro do STF, hoje de R$ 44 mil.
A equipe econômica tem falado em disciplinar de vez a questão e impedir os "penduricalhos" que levam servidores a acumular ganhos.
Ele esclareceu que o Judiciário está sob o regime do teto fiscal desde 2017 e não tem participação na crise fiscal. "O Judiciário não gastou um vintém a mais do orçamento que tinha em 2017, corrigido", destacou.
Barroso defendeu que a carreira de magistratura precisa ser atrativa em relação a outras carreiras do Direito. "A comparação tem que ser com o mercado de trabalho do Direito, e não com o salário mínimo", argumentou.
Liberdade de expressão e redes sociais
Ao tratar do julgamento sobre a responsabilidade das plataformas digitais, Barroso destacou a necessidade de equilibrar a proteção à liberdade de expressão com o combate à desinformação e ao discurso de ódio. Ele lembrou que a internet democratizou o acesso ao espaço público, mas também abriu "avenidas de desinformação" e ataques à democracia.
"O mundo está preocupado em traçar no ponto adequado a linha que representa preservar a liberdade de expressão e protegê-la num mundo em que ela corre risco", afirmou. Segundo Barroso, o STF aguardou uma decisão do Congresso, mas precisou intervir diante da ausência de legislação.
Inquérito das fake news e 8 de janeiro
Sobre o inquérito das fake news, Barroso classificou a investigação como "decisiva para salvar a democracia no Brasil". Ele reconheceu que o inquérito se prolongou, mas justificou o atraso pelos desdobramentos, como os ataques de 8 de janeiro. "Nós estávamos indo para um abismo", disse.
Barroso afirmou que a expectativa é que o inquérito seja concluído em 2024, transformando-se em ações penais. "Eu acho que nos recuperamos normalidade institucional e civilidade, mas uma pacificação plena ainda é dificultada pelo fato de que há inquérito e ações penais que envolvem agentes públicos", analisou.
O ministro afirmou que o STF comete erros e acertos, mas que, no geral, "prestou excepcional serviço ao país". Segundo ele, a Corte foi alvo de campanhas orquestradas e ataques sistemáticos, que transformaram a mentira em uma estratégia política. "A mentira passou a ser uma estratégia de ação política", concluiu.