O campo sempre foi um espaço de resistência e transformação. Por décadas, a imagem do agronegócio esteve associada à figura masculina: o homem no comando, conduzindo tratores, manejando rebanhos e tomando decisões estratégicas. No entanto, essa visão ignora uma verdade histórica: as mulheres sempre estiveram presentes na construção do agro brasileiro. Desde a lida diária nas pequenas propriedades familiares até a gestão de grandes fazendas, elas participaram ativamente da produção, mesmo que, por muito tempo, sem o devido reconhecimento.
Nos últimos anos, essa realidade começou a mudar. O número de mulheres que assumem a gestão de propriedades cresceu notavelmente. Muitas delas chegaram ao comando por sucessão familiar, outras, pela escolha consciente de trilhar uma carreira no agronegócio. Elas não apenas administram negócios rurais, mas também implementam novas tecnologias, lideram equipes, desenvolvem estratégias de sustentabilidade e participam da tomada de decisões em um setor cada vez mais globalizado e competitivo.
O caminho, porém, foi pavimentado por desafios. Enfrentar a resistência cultural, provar competência e conquistar credibilidade exigiu muito mais do que conhecimento técnico. Foi preciso determinação, resiliência e capacidade.
A força da sucessão: Fernanda Costabeber e a liderança na pecuária
Filha de um veterinário e neta de empresários urbanos, Fernanda Costabeber cresceu em uma família onde o trabalho no campo era levado a sério. Sua história com a fazenda da família, em São Sepé (RS), começou ainda na infância, quando via o pai dividir-se entre a cidade e a propriedade rural. “A fazenda passou anos sendo explorada de maneira extensiva. Meu pai sempre trabalhou para torná-la mais produtiva, e eu cresci vendo essa transformação”, conta.
Porém, a ideia de que Fernanda assumiria os negócios não foi natural. Seu pai acreditava que sua irmã mais velha, mais extrovertida e ativa, seria a sucessora ideal. “Eu era tímida, introspectiva. Meu pai dizia que eu não tinha vocação para o agro”, relembra. Mas a paixão pelos animais a fez insistir: decidiu cursar Medicina Veterinária na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Durante a faculdade, começou a se envolver mais na fazenda, mas os conflitos não demoraram a surgir. “Meu pai queria que eu focasse exclusivamente no negócio, enquanto eu ainda queria explorar as oportunidades da universidade”, explica.
A divergência foi tão grande que, ao se formar, Fernanda deixou a fazenda e ingressou no programa de trainee da JBS, onde trabalhou em várias unidades do Brasil. “Foi quando eu saí que meu pai percebeu o quanto minha presença já era essencial na gestão”, diz. Em pouco tempo, recebeu o convite para voltar e, dessa vez, retornou com uma proposta estruturada. “Trouxemos consultorias, organizamos a sucessão, criamos protocolos de governança. Meu pai passou a atuar como mentor, ajudando a evitar erros estratégicos”, detalha.
Hoje, Fernanda lidera a gestão da fazenda e destaca a importância do olhar feminino no agro. “A mulher tem um senso de organização e um olhar detalhista que fazem diferença na gestão. Nossa fazenda sempre teve funcionários homens, mas agora temos mais mulheres na equipe, e isso trouxe um equilíbrio importante”, avalia. Para ela, a maior lição veio da própria história familiar: “Meu pai nos ensinou que competência não tem gênero, mas sim dedicação e conhecimento. Esse sempre será o nosso maior diferencial”.
Sônia Bonato: do desafio ao reconhecimento no agro
A trajetória de Sônia Bonato é uma prova de que a adaptação e a busca por conhecimento podem transformar completamente uma carreira. Em 1995, ela trocou um emprego em uma multinacional para se mudar com o marido para uma fazenda em Ipameri (GO). “Eu nunca tinha tido contato com a rotina do agro. Foi um choque. Mas entendi que, se queria contribuir, precisava aprender”, relembra.
Determinação nunca faltou. Sonia começou a frequentar dias de campo, palestras e cursos técnicos para entender melhor o setor. Com o tempo, percebeu que a fazenda precisava de um modelo de gestão mais eficiente e decidiu assumir a parte administrativa. “Muitas propriedades operavam sem controle financeiro adequado. Implementei planilhas, planejamento anual e controle de custos, transformando nossa fazenda em uma empresa de fato”, explica.
O esforço valeu a pena. Hoje, sua propriedade tem certificação CRS e exporta soja para a Holanda. “A certificação exige rigor, mas abre portas. Seguimos todas as normas ambientais e sociais, e isso nos trouxe um novo nível de reconhecimento”, afirma.
Sonia também testemunhou a evolução da presença feminina no agro. “Quando comecei, não havia mulheres agrônomas, vendedoras de insumos ou técnicas. Eu era uma exceção nos eventos. Hoje, as mulheres estão em todos os segmentos, trazendo inovação e gestão qualificada”, destaca. Seu conselho para quem deseja ingressar no setor é simples: “Busque conhecimento. O agro é dinâmico, e estar preparada é fundamental para se destacar”.
As mulheres não apenas administram negócios rurais, mas também implementam novas tecnologias, lideram equipes, desenvolvem estratégias de sustentabilidade e participam da tomada de decisões em um setor cada vez mais globalizado e competitivo.
A engenheira agrônoma Yanna Costa, coordenadora do ABR-Sustentabilidade da Abapa, destaca o papel feminino no setor: “A gente tem um olhar mais criterioso e detalhista, é algo natural. Mas as barreiras culturais ainda existem, especialmente em relação à voz e ao espaço que ocupamos”. Para ela, o avanço das mulheres no agro é inegável, e a participação crescente na operação de máquinas agrícolas e em cargos de liderança são sinais positivos. “Todas nós somos capazes de fazer tudo o que quisermos. O importante é não ter medo”, completa.
Luana Boff, vice-presidente da Ampasul e gestora da Fazenda Indaiá, também reforça essa mudança. “As mulheres têm um olhar cuidadoso, detalhista. E isso faz toda a diferença quando falamos de certificação, sustentabilidade e responsabilidade social”. Com um time que conta com 20% de funcionárias mulheres, Luana celebra a inclusão feminina na gestão agrícola. “As mulheres sempre estiveram presentes no agro, mas agora estamos ganhando mais espaço e reconhecimento. Nosso trabalho é essencial para o futuro do setor”.
Roselaine Lins, supervisora de algodoeira na Fazenda Tanguro, lidera uma equipe composta majoritariamente por homens. No início, enfrentou resistência, mas conquistou espaço com dedicação e conhecimento. “Acredito que o que me fez apaixonar pela cotonicultura foi o acolhimento que eu tive por ser uma mulher nesse ambiente agro, por parte da empresa, e pela minha equipe”. Sua liderança tem inspirado outras mulheres a ingressarem no setor. “Se você tem vontade e acredita que tem as qualificações necessárias, não desista. A liderança se faz pelo exemplo”, aconselha.
Jennifer Onetta, gerente de operações da Elisa Agro Sustentável, reforça que a busca por competência e conhecimento é essencial para se firmar no setor. “Sempre busquei mostrar que sou capaz, assim como qualquer outro profissional. No fim, estamos todos trabalhando pelo mesmo objetivo”. Como única mulher na operação da algodoeira, Jennifer destaca a importância da confiança e do profissionalismo. “Nosso foco é manter o padrão de qualidade e garantir que a certificação seja mantida”.
Carol Martignago, diretora do Grupo Três Estrelas, traz uma visão estratégica sobre o futuro do setor. “O mundo precisa de cada uma de nós. Nossa presença no agronegócio transforma, inova e inspira”. Responsável pelos selos ABR e BC na empresa, Carol reforça que a certificação é essencial para garantir a credibilidade do algodão brasileiro. “Hoje, é impossível comercializar o algodão sem a certificação. Ela garante que nosso produto respeita normas ambientais, sociais e trabalhistas”.
Mara Motter: construindo espaço no agro com liderança e inovação
Mara Motter, agrônoma e produtora rural no Mato Grosso do Sul, exemplifica a força da mulher no agronegócio. Desde cedo, soube que queria estar no campo, mas enfrentou resistência dentro da própria família. “Meu pai dizia que o agro era muito pesado para uma mulher. Eu precisava provar todos os dias que era capaz”, relembra Mara.
Com dedicação e muito estudo, conquistou espaço na gestão da fazenda familiar. “Iniciei trabalhando na administração e, aos poucos, fui assumindo a parte operacional. Hoje, comando desde a escolha das sementes até a comercialização”, explica. Para Mara, o olhar feminino trouxe eficiência e inovação para a propriedade. “Mulheres têm uma visão detalhista e estratégica. Introduzimos tecnologia, aprimoramos os processos e hoje temos uma fazenda muito mais produtiva e sustentável”, ressalta.
Mara também destaca que a presença feminina na gestão trouxe uma nova dinâmica para o ambiente de trabalho. “A mulher tem uma sensibilidade diferente. Conseguimos equilibrar melhor as relações interpessoais e criar um ambiente mais colaborativo”, afirma. Ela ainda enfatiza que a inovação tecnológica foi um divisor de águas para a propriedade. “Sempre busco atualização. O agro é um setor que exige conhecimento constante, e não podemos ficar para trás”, diz.
Um dos principais desafios, segundo Mara, foi a adaptação às novas demandas do mercado. “A competitividade aumentou muito. Hoje, não basta produzir, é preciso entender toda a cadeia do agronegócio”, pontua. Ela também destaca a importância da mecanização e da tecnologia de precisão. “Investimos em equipamentos modernos, em manejo sustentável e em estratégias de produtividade. O canhão de força da nossa propriedade é a inovação, e eu não abro mão disso”, afirma.
“Hoje, a mulher está presente em todas as áreas do agro. E isso é uma revolução silenciosa e poderosa”, conclui Mara Souza.
A revolução feminina no agro está em curso. Mulheres estão ocupando espaços que antes lhes eram negados, trazendo uma nova perspectiva para a gestão e produção. Com competência e determinação, elas seguem transformando o campo e inspirando as próximas gerações.
O avanço das mulheres no agronegócio é o reflexo de mudanças sociais, da necessidade para um setor que demanda inovação, eficiência e sustentabilidade. As conquistas dessas mulheres provam que a competência e o conhecimento são os verdadeiros pilares do sucesso no campo. Se antes o agro era um espaço predominantemente masculino, hoje ele se fortalece com a diversidade de olhares e abordagens.
O futuro do setor está nas mãos de quem ousa questionar, inovar e transformar.