O desembargador federal Ney Bello, do Tribunal Regional Federal da Primeira Região (TRF-1), autorizou a publicação da resolução do Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) com orientações sobre o aborto legal para crianças e adolescentes vítimas de violência sexual.
O magistrado suspendeu a decisão da primeira instância da Justiça Federal, que tornava a resolução provisoriamente sem efeitos.
A determinação da primeira instância, do juiz Leonardo Tocchetto Pauperio, 20ª Vara Federal Cível da Seção Judiciária do Distrito Federal, atendia a um pedido da senadora Damares Alves (Republicanos-DF).
A resolução do Conanda, aprovada no dia 23 de dezembro, estabelece diretrizes para o atendimento humanizado e especializado de crianças e adolescentes com direito ao aborto legal.
O magistrado considerou que o Conanda, ao editar a medida, agiu de forma regular e que houve equívoco na decisão da primeira instância.
“Assim, o conteúdo material do pedido de suspensão ora aviado deixa claro o acerto da medida do Conanda e – vênia concedida – o equívoco da decisão que suspendeu a plena aplicabilidade da decisão administrativa”, afirmou o desembargador federal.
Decisão
A decisão de Ney Bello atende a um pedido do Gabinete de Assessoria Jurídica às Organizações Populares (Gajop), entidade da sociedade civil.
O magistrado registrou na decisão que a resolução trata do “fluxo de atendimento a crianças e adolescentes vítimas de violência sexual que buscam a interrupção legal da gestação” em casos de violência sexual, seguindo o que prevê a legislação.
“De onde observar ser minimamente razoável – em defesa de vulneráveis crianças e adolescentes vítima de abuso e estupro – lutar pela manutenção da violência adrede gerada, sustentando – por vias formais – a manutenção de uma gestação causada por um gesto violento, repugnante e atroz de um adulto? Como, em pleno século XXI sustentar a razoabilidade da não interrupção da gravidez em casos tais?”, questionou o desembargador.
Para Bello, a decisão da primeira instância desprotege a criança e adolescente vítimas da violência.
“O que salta aos olhos é que a decisão vergastada labora em equívoco crasso quando, a bordo de artifícios formais e sob o pálio do desejo de proteção do nascituro, desprotege o hipossuficiente menor que foi, ela sim, vítima de uma violência brutal”, disse o desembargador.
“A criança, ou a menina ou a pré-adolescente vítima de abuso merece proteção rarefeita, no mesmo momento em que o feto – inviável ou não – fruto da agressão irascível deve ser protegido frente à interrupção da gravidez?”, completou.
O magistrado ressaltou que, nestas situações, não se trata de gravidez com consentimento, mas sim fruto de estupro.
“Volto a frisar que não se trata de gravidez optativa, fruto de sexo decidido, mas sim aquela fruto de estupro ou violência contra menor de idade [...]. Percebo que agiu corretamente o Conselho quando regulou a matéria legal, estabelecendo os pressupostos necessários à correta interrupção da gravidez quando fruto de abominável violência”, disse.
"Uma sociedade em que suas instituições privilegiam o embate ideológico e suas verdades pré-concebidas, sobre a sanidade, a liberdade e proteção de menores vítimas de violência está fadada ao fracasso enquanto aventura da modernidade racional”, concluiu Ney Bello.