Cuiabá, 31 de Março de 2025

BRASIL Quarta-feira, 26 de Março de 2025, 16:05 - A | A

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entenda

Por que decisão contra Bolsonaro e militares é inédita e qual é seu impacto

Desde a Proclamação da República, em 1889, nenhum presidente nem militares foram indiciados ou condenados pelo crime de tentativa de golpe de Estado

TV Globo

Pela primeira vez na história brasileira, uma investigação contra um ex-presidente e militares, por tentativa de golpe, avança a ponto de torná-los réus. Jair Bolsonaro (PL), que comandou a Presidência da República entre 2019 e 2022, e mais sete aliados passarão a responder a um processo penal, o que pode levar à prisão, a depender da pena.

Esta decisão foi proferida nesta quarta-feira (26) pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF). Desde a Proclamação da República, em 1889, nenhum presidente nem militares foram indiciados ou condenados pelo crime de tentativa de golpe de Estado. Entre os réus, há cinco militares, além de Bolsonaro, que já foi capitão do Exército (veja a lista de nomes e cargos abaixo).

Carlos Fico, professor de História da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), explicou ao g1 que, em 1922, o então presidente do Brasil Hermes da Fonseca foi preso por supostamente estar envolvido na tentativa de deposição do presidente Epitácio Pessoa. Segundo o professor, houve somente o "início de um inquérito", que não foi concluído, já que Fonseca morreu antes disso. Então, apesar da prisão que durou seis meses, ele não foi julgado formalmente.

No caso de militares que planejaram golpes, também uma investigação nunca foi tão longe, com a possibilidade de condenar à prisão os responsáveis, na esfera penal. "Em todos os casos de tentativas de golpe e pronunciamentos militares contra presidentes nunca houve a efetiva punição de militares golpistas. Mesmo nos casos em que houve o início de alguma investigação, uma anistia acabou sendo aprovada", diz Carlos Fico.

O historiador relembra que, no contexto da última ditatura que o Brasil viveu, de 1964 a 1985, a Lei da Anistia, de 1979, impediu a punição de "qualquer pessoa", inclusive dos militares. De acordo com ele, crimes graves de violação de direitos humanos não foram julgados devido a essa legislação, o que ficou conhecido como "perdão aos torturadores".

A Comissão Nacional da Verdade (CNV), que funcionou de 2012 a 2014, reconheceu a responsabilidade de diversos militares, mas não tinha poder para julgar e punir.

A Primeira Turma do STF decidiu tornar réus:

Jair Bolsonaro, ex-presidente da República. Foi capitão do Exército de 1973 a 1988;
Alexandre Ramagem, ex-diretor da Abin. Foi delegado da Polícia Federal (PF);
Almir Garnier, ex-comandante da Marinha. É almirante de Esquadra da Marinha;
Anderson Torres, ex-ministro da Justiça. Foi delegado da PF;
Augusto Heleno, ex-ministro do GSI. General da reserva do Exército;
Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência. É tenente-coronel do Exército;
Paulo Sérgio Nogueira, ex-ministro da Defesa. General do Exército;
Braga Netto, ex-ministro da Casa Civil de Bolsonaro. General da reserva do Exército.

Os crimes
Os cinco ministros que compõem a turma aceitaram a denúncia apresentada pela Procuradoria-Geral da República (PGR). Então, os oito acusados passam a responder pelos seguintes crimes:

Abolição violenta do Estado Democrático de Direito;
Golpe de Estado;
Organização criminosa;
Dano qualificado ao patrimônio da União;
Deterioração de patrimônio tombado.

Rafael Mafei, que é professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), explica que, no mundo jurídico, vários crimes compõem o que é chamado de "golpe de Estado".

As situações que configuram o crime são, por exemplo, tentar por meios "ilegítimos" depor um governo eleito; impedir que um dos poderes, como STF ou Congresso, funcione; impedir a realização de eleição ou não dar posse para o próximo presidente.

O especialista afirma que, assim como a fuga de um presídio, no caso do golpe de estado, a tentativa já vale como consumação. Então, mesmo que o resultado do ato não tenha sido atingido, ou seja, mesmo que um estado de exceção não tenha sido imposto, só a tentativa já é considerada um crime.

Segundo ele, desde a época da ditadura no Brasil, pelo menos desde 1967, já havia na legislação brasileira esse conceito de crime, mas com o foco em proteger as instituições e não o Estado Democrático de Direito.

A Lei de Segurança Nacional, de 1983, assinada pelo último presidente do regime militar, João Figueiredo, também trazia o conceito de golpe de estado.

Em 2021, Jair Bolsonaro reformulou essa legislação de Figueiredo. Desta forma, Bolsonaro virou réu por "crimes contra instituições democráticas, de uma lei que ele próprio validou.

Outros presidentes
Outros ex-presidentes brasileiros já foram réus na Justiça, mas não por golpe de estado, e sim por outros crimes.

Já foram réus anteriormente:

Fernando Collor de Mello;
Lula (PT);
Dilma Rousseff (PT);
Michel Temer (MDB)

Os casos envolveram investigações ou desdobramentos da Operação Lava Jato e os ex-presidente responderam por crimes como organização criminosa, corrupção e lavagem de dinheiro. As acusações, no entanto, foram rejeitadas por falta de provas ou anuladas por questões processuais.

 Em maio de 2023, o ex-presidente e ex-senador Fernando Collor foi condenado pelo STF a oito anos e dez meses de prisão, em regime inicial fechado, por participação em esquema de corrupção na BR Distribuidora. A defesa recorre da decisão para tentar evitar que ele seja preso. Ele virou réu em 2017, quando a acusação foi aceita.

O ex-presidente José Sarney chegou a ser denunciado pelo Ministério Público, mas a acusação acabou rejeitada pela Justiça.

O presidente Lula, após os dois primeiros mandatos, também passou a ser réu na Lava Jato, mas após o Supremo entender que a Justiça Federal de Curitiba não era competente para analisar os casos, as ações acabaram encerradas.

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