A existência humana é atravessada por dualidades que marcam a percepção de mundo, moldando crenças e condutas. Deus e o Diabo, o bem e o mal, liberdade e moralidade são polaridades que surgem como símbolos da busca humana por sentido, transcendência e responsabilidade. A condição humana, diante dessas forças, revela-se um terreno fértil para explorar questões profundas sobre escolhas, a natureza do bem e do mal, e os limites da liberdade.
O conceito de bem e mal é inerente à formação da sociedade e da moralidade. Nas religiões e filosofias antigas, como o zoroastrismo e o maniqueísmo, o mundo era compreendido como um campo de batalha entre forças opostas: o bem, associado ao divino, e o mal, representado pelo demoníaco. No entanto, à medida que as sociedades evoluíram, também evoluiu a compreensão de que o bem e o mal são mais do que meras dicotomias; são construções que refletem valores e contextos culturais.
Friedrich Nietzsche, em sua crítica à moralidade cristã, sugere que o bem e o mal são criações humanas, conceitos relativos e mutáveis. Em vez de um código fixo, ele via a moralidade como uma imposição sobre a liberdade individual. Para Nietzsche, o homem deveria superar essas dicotomias e abraçar a "vontade de poder", uma força interna que o capacita a viver autenticamente e a construir seu próprio sentido. Essa perspectiva desafia a questionar as normas morais impostas e a encarar que o bem e o mal podem não ter origem externa ou transcendente, mas sim humana.
A presença de Deus e do Diabo nas tradições religiosas representa a constante tensão entre o desejo de transcendência e os impulsos humanos que remetem ao erro. Em narrativas como a de Jó ou a de Fausto, essa dualidade emerge como uma prova da liberdade e da responsabilidade humana. Deus, nessa visão, oferece as diretrizes e um sentido de propósito, enquanto o Diabo representa o desafio, a tentação e a transgressão. Esse embate entre o divino e o demoníaco, no entanto, não é apenas um conflito entre forças externas: ele é também uma representação da luta interna que cada ser humano enfrenta.
O personagem Fausto (Goethe, 1775, 1791 e 1808) oferece uma perspectiva inovadora para a época, na qual o ser humano é protagonista de sua jornada moral, influenciado, mas não determinado, pelas forças externas do bem e do mal.
Jean-Paul Sartre, em seu existencialismo ateísta, argumenta que o ser humano é "condenado a ser livre". Para Sartre, a liberdade é um fardo, uma vez que implica assumir a responsabilidade por cada escolha e consequência. Não há um Deus para guiar ou redimir; o homem é o único responsável por dar sentido à sua existência. Isso coloca a moralidade como uma criação individual, um reflexo das escolhas que moldam a identidade do indivíduo e o impacto que ele causa no mundo ao redor.
A liberdade, embora seja um dos valores mais prezados, carrega consigo a angústia de enfrentar escolhas cujas consequências são irrevogáveis. Kierkegaard descreve essa angústia como inerente à existência: a possibilidade de agir em direção ao bem ou ao mal, de transcender ou de ceder à nossa natureza mais sombria. A liberdade, em sua visão, é tanto uma dádiva quanto uma maldição, pois requer uma constante avaliação moral das ações.
O dilema entre agir de forma ética e ceder ao egoísmo coloca o sujeito em um conflito interminável. Para Erich Fromm, filósofo e sociólogo alemão, a liberdade pode ser uma fonte de solidão e alienação, já que exige uma independência que distancia das normas impostas e do conforto de um senso comum. Assim, a liberdade se transforma em um processo doloroso de autoconhecimento, em que o indivíduo precisa compreender e lidar com sua capacidade tanto para o bem quanto para o mal.
A liberdade é o que distingue e define as pessoas, mas também é o que coloca todos frente a frente com os dilemas éticos mais profundos.
É por aí...
(*) GONÇALO ANTUNES DE BARROS NETO tem formação em Filosofia, Sociologia e Direito.