A carne sempre reinou! Exceto, antes de o ser: quando foi criada. Então, o Espírito, para nunca mais vagar solitário, incrustou-se na própria criação material para sempre. Daí a Filosofia dizer, que Ele tem a maldição de estar eternamente ligado à matéria. Talvez, a Filosofia erre, mas, apenas na adjetivação do fato; pois, dado que Ele o quis, pode ser, então, a mais revolucionária Bendição.
A Filosofia é a mais bela prosa-poética criada – cujo urdimento, segue por belíssimas e profundas complexidades...
Veja que o interesse hegemônico, absolutamente egoístico, tenta se perpetuar por todos os meios e a qualquer custo, afigurando-se às grandes massas como se fosse os seus interesses. Daí, dias atrás, uma criança dizer e ser aplaudido nas redes digitais, que a Escola não serve para nada: com suas jumentices-mirins, aquela criança sequer imagina o que é, historicamente, a Escola – mas as diz, com cara de quem tudo sabe, e é aplaudida.
Sem saber a história das coisas, dos fenômenos, dos acontecimentos, sabe-se o que são essas coisas, acontecimentos e fenômenos, concretamente? Aquele aprendiz-mirim de dizer ignorâncias, não sabe; a massa ignara que o aplaude, não sabe: só a ignorância-militante, isto é, o processo político-pedagógico do hegemonismo que os vitimiza, sabe. Pelo som dos aplausos que ouve à criança, as massas creem que há sabedoria no que ela disse, então aplaudem-na. Aplaudindo, sentem-se ativas e igualadas àquela suposta sabedoria: quando se aprofundam mais em ignorâncias...
Lembro de um Natal, quando um amigo com idade pouco superior à minha, mas criança também, deslindou a figura do Papai Noel: revelou-a, dizendo ser uma pessoa conhecida por todos nós, que a tinha visto se fantasiando. A descoberta dele, informada a nós, caiu-me como pedra na alma infantil, num deslindamento duro e perverso da realidade. Revelou-se a contrapelo em nós, o mundo fantasioso de criança interiorana, num tempo em que a Coca-Cola não fazia parte da nossa vida sertaneja – nem no Natal. Fez-se um imenso vazio. Porque a pessoa que ele viu se fantasiando de Papai Noel, era gente, real e comum demais, cotidiana e sem graça demais, para ser o que eu imaginava ser o Velho de Barba Branca. Veja como a fantasia se faz materialidade, e substancia o ser: a Vida não se faz só de pão e casa, mas, também, de imaginação...
A fantasia é uma das mais belas invenções humanas, e absolutamente necessária. O problema é que, pelo poder de elevar a dureza do real ao reino de todas as imaginações – onde até a mais dura realidade se desmaterializa numa rede de pensamentos tecidos por fios de desejos e esperanças-quase-vãs – a fantasia pode esvaziar o ser das suas significâncias; e, assim, é quase não-ser. A Escola é um choque de realidade no reino de fantasias das crianças: é onde e quando o aprender se torna uma obrigação, um trabalho, que se desenvolve pelo estudo. Estudar é uma das atividades mais difíceis, que exige disciplina, esforço físico-mental, concentração, geralmente sob solidões e silêncios; talvez, porque o estudo seja só Ontologia, acossada diuturnamente pelo interesse!
Estudar é o primeiro trabalho que se impôs ao homem, desde que ele conseguiu dominar e se afastar das determinações naturais, o suficiente, para ter um tempo e um espaço exclusivos para se perguntar o porquê das coisas, do mundo, e sobre si mesmo no mundo; e, ali, formar compreensões sobre tudo isso. De fato, a Escola nasceu para atender uma pequena parte da humanidade que, ao se apropriar dos meios para produzir as condições materiais de vida, pode viver o ócio de não precisar trabalhar para viver (pois como proprietária daqueles meios, impôs aos demais o tormento de viver só para trabalhar); desde ali, o conhecimento desenvolvido na Escola teve uma finalidade prática, para ser aplicado na vida socioeconômica, requalificando-a. Desde aquele início, fosse para melhorar a produção e a produtividade, fosse para dar aos dominantes formas para continuarem dominando, o conhecimento se fez e expressou poder...
Foi depois de séculos de existência da Escola, muito depois de se inventar esse lugar exclusivo para produzir, desenvolver, criar e recriar o conhecimento, que os não-proprietários conquistaram o direito à Escola para os seus filhos. Nunca essa negação deu-se por falta de condições materiais ou financeiras da sociedade; mas, exclusivamente por conta do interesse dominante de continuar monopolizando o Conhecimento. É na Escola que o deslindamento do real toma a celeridade, a profundidade, a abrangência e o rigor, que nos demais ambientes sociais não é possível desenvolver; daí se poder dizer, que a conquista da Escola pelos Trabalhadores impactou toda a sociedade. Mas, também, fez os governos buscarem por todos os meios e a qualquer custo, o esvaziamento da Escola da razão da sua existência: o Conhecimento – como se vê, hoje...
Por esses referenciais, é que se pode entender e evidenciar aquelas asneiras-mirins: aquela fala não é inocente, ainda que ele não saiba o que diz; mas, isto não pode nos silenciar em complacências: não se transige com o que nega a Vida!
Na noite da quarta-feira passada, havia uma multidão de pais e mães com suas crianças na Praça de Chapada, para ver a Caravana do Papai Noel. O correr dos anos e décadas subsumidos no mundo interesseiro da nossa sociedade, em que tudo é vendido e comprado, as levezas da vida são tratadas cada vez mais como ridículas e sem serventia – como tudo o que não confirma e valoriza o capital. O capital é autotélico: a Caravana não era do Papai Noel, era da Coca-Cola. Num dos carros com carroceria aberta, via-se um caricato ancião de barbas brancas submergido na poltrona de um reluzente trenó; em primeiro plano se impunha o multicolorido de luzes e sons, que emolduravam a mensagem sub-reptícia a se entranhar nas mentes infantis: “Beba Coca-Cola”!
(*) Dr. ELISMAR BEZERRA ARRUDA é professor.